Oitenta anos após a segunda guerra, uma nova ordem mundial está sendo desenhada. E nela, países que não tiverem capacidade de produzir insumos básicos à agropecuária e à indústria podem colocar em risco setores importantes da economia. A guerra tarifária imposta pelos Estados Unidos a diversas nações e as guerras, como a Rússia contra a Ucrânia, têm mostrado que já passou da hora de o Brasil produzir grande parte do fertilizante que consome, ao invés de depender das intempéries do mercado internacional.
Independente dos alinhamentos políticos de cada governo nos últimos anos, vimos a agropecuária brasileira se transformar numa grande potência na produção e exportação de diversos produtos. Mas não conseguimos reduzir a nossa dependência da importação de fertilizantes. Algo inaceitável do ponto de vista estratégico.
Somos responsáveis por 8% do consumo global de fertilizantes, ficando atrás apenas da China, Índia e Estados Unidos. Dos macronutrientes necessários à produção agrícola, importamos 95% do nitrogênio, 75% do fosfato e 91% do potássio. Esses números foram apresentados pelo professor Cícero Lima, da Fundação Getúlio Vargas.
Agora no início de agosto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou elevação de 25% para 50% nas tarifas impostas à Índia a partir do final do mês alegando que os indianos compram petróleo russo.
Não concordo com a política tarifária do governo estadunidense, mas ela é uma realidade e pode nos atingir ainda mais porque adquirimos parte significativa dos nossos fertilizantes da Rússia, chegando a 29% do total. Apenas de janeiro a junho foram seis milhões de toneladas e ano passado o número chegou a 12,5 milhões de toneladas, conforme o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Segundo a Associação Nacional para Difusão de Adubos, em 2013 o Brasil produzia 9,3 milhões de toneladas de fertilizantes e consumia 30 milhões de toneladas. Hoje produz 7,7 milhões de toneladas e consome 45 milhões de toneladas. Os dados mostram que nos últimos 12 anos produzimos menos e aumentamos em 50% o consumo.
Agora no final de julho, em reunião da CONFERT (Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas), a presidente da PETROBRAS, Magda Chambriard, afirmou que a estatal está investindo na retomada de fábricas de fertilizantes hidrogenados na Bahia, Sergipe, Paraná e Mato Grosso do Sul, o que vai resultar, segundo ela, na produção até 2028 de 35% de fertilizantes à base de uréia consumidos no Brasil. A notícia é boa, mas insuficiente.
Desde 2018 as FAFENs da Bahia e Sergipe têm suas atividades paralisadas regularmente, diminuindo a oferta de fertilizantes nitrogenados e causando desemprego de milhares de pessoas. Em 2019, na Assembleia Legislativa da Bahia, fiz uma audiência pública para tratar do assunto.
É necessária que a PETROBRAS entenda a necessidade de reduzir o custo do gás de refinaria, principal matéria-prima do fertilizante nitrogenado. A estatal cobra de US$ 14 a US$ 15 por milhão de BTU, enquanto o preço médio no mercado internacional é de US$ 7. A iniciativa privada não vai investir neste mercado porque inviável economicamente e o setor público não consegue sozinho prover a demanda.
No caso do potássio, importamos 14 milhões de toneladas em 2024, sendo 35% comprado da Rússia, outros 35% do Canadá e 10% do Uzbequistão, conforme dados do SECEX. A produção nacional corresponde a apenas 3% do que consumimos.
Apesar de possuirmos boas jazidas de potássio, questões ambientais ainda atrasam a exploração dessas reservas, principalmente na região de Altazes, na Amazônia. Óbvio que defendo todos os cuidados ambientais e com os povos indígenas que habitam a terra, mas há sim uma maneira de resolver o problema, como ocorrem em outros países.
A mesma lógica pode aplicar à exploração de fósforo para a produção de fertilizantes fosfatados.
A agropecuária nacional é um setor vital à economia brasileira e um assunto dessa relevância vem sendo tratado com pouca atenção ao longo dos últimos anos e governos, independente de partidos. Sob pena de ser repetitivo, continuarei com esse assunto como um mantra porque é inadmissível essa pauta não ser uma das principais preocupações de todos os entes dos poderes públicos.
Os acontecimentos mundiais têm mostrado que não há mais tempo de nenhum a perder. Ou tomamos decisões estratégicas imediatamente, e que só terão resultados práticos em alguns anos, ou corremos o risco de causar um dano irreversível à agropecuária nacional, setor responsável por 25% do PIB.