O Brasil vive uma das mais graves crises da sua história no setor de leite e derivados. O que deveria ser um momento de consolidação de um mercado cada vez mais profissional e eficiente transformou-se em incerteza e desânimo. A enxurrada de leite em pó importado da Argentina e do Uruguai, vendida a preços abaixo do custo de produção nesses países, está desestabilizando a cadeia produtiva e ameaçando milhares de produtores e laticínios em todo o país.
Em 2024, o Brasil registrou recorde de importações de produtos lácteos, especialmente de leite em pó. Em 2025, o volume segue elevado: somente em outubro, o país importou o equivalente a 208 milhões de litros de leite, um aumento de mais de 8% em relação ao mês anterior.
O resultado é direto e cruel. O preço pago ao produtor, que deveria refletir o custo de produção e a margem de lucro, está em queda real, gerando prejuízo. Segundo o CEPEA/USP, a média nacional em outubro de 2025 foi de R$ 2,49 por litro, praticamente igual à de 2024. O agravamento da crise é rápido. Já há casos de produtores recebendo apenas R$ 1,60 por litro em regiões da Bahia e de outros estados, valor muito abaixo do custo de produção. O produtor trabalha mais, gasta mais e recebe menos.
Na Bahia, a situação é ainda mais grave. O estado produz cerca de 1,3 bilhão de litros por ano e tem aproximadamente 160 laticínios, dependentes do equilíbrio entre produção e mercado interno. Segundo o Governo do Estado, existem cerca de 108 mil produtores de leite, dos quais 82% são pequenos produtores.
Além da concorrência desleal das importações, os baianos enfrentam a seca prolongada, que eleva os custos e reduz a produtividade. O impacto atinge não apenas o produtor, mas também os laticínios, que sofrem com a ociosidade e a perda de competitividade.
No Brasil, são mais de um milhão de produtores e quase 2.000 laticínios com inspeção oficial, segundo o IBGE. É uma cadeia imensa, que emprega milhões de pessoas e movimenta economias locais. Ao importar leite em pó sem critérios, o país está, na prática, importando desemprego e esvaziando o campo.
A solução imediata seria suspender temporariamente, por 90 dias, as licenças de importação de leite em pó desses países, enquanto uma avaliação técnica apura possível prática de dumping. Essa medida reduziria a pressão sobre o mercado interno e daria fôlego aos produtores e laticínios nacionais. No entanto, depende de ação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Além disso, é necessário adotar salvaguardas comerciais, fiscalizar práticas desleais e priorizar o leite nacional em programas públicos como a merenda escolar e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). Também é essencial garantir crédito emergencial e incentivos para manter cooperativas e indústrias locais operando.
A crise do leite não é apenas econômica. É social e estratégica. Envolve segurança alimentar, ocupação do território e dignidade de quem vive da terra. Ignorar esse problema é permitir que o Brasil se torne dependente de leite importado, causando o abandono da pecuária leiteira por produtores e a falência dos laticínios.
O produtor brasileiro não quer privilégio. Quer apenas competir em condições justas e ter garantias de que seu esforço não será em vão.
O leite baiano e brasileiro pede socorro. E ainda temos tempo de salvá-los, se houver ação agora.
Por Eduardo Salles, Deputado Estadual e pequeno produtor de leite